Resumo
O mundo emite anualmente 59 bilhões de toneladas de CO2 equivalente por ano de gases de efeito estufa. As emissões vão muito além do setor elétrico, que representa menos de 20% das emissões globais. Outros setores como transportes, edifícios, agropecuária e indústria são contribuidores importantes para as emissões globais e descarboniza-los envolve uma ampla gama de tecnologias e transformações econômicas. O Brasil tem um perfil de emissões bem diferentes da média global, já que mais da metade das emissões vem do campo: sejam provenientes de atividades agropecuárias ou do desmatamento.
Visão do Clima Rentável
Antes de entrar no tema de hoje, gostaríamos de falar um pouco no que acreditamos e como encaramos o nosso tema principal. Para nós, a mudança do clima causada pelo acúmulo na atmosfera de gases de efeito estufa na atmosfera é o maior desafio a ser enfrentado pela humanidade no século XXI. Essa mudança tem sido essencialmente provocada por ações humanas e é também nas ações humanas que vamos encontrar as soluções. E aí está uma gigantesca oportunidade de negócios, já que, em uma economia de mercado, a atuação das empresas em qualquer grande transformação é fundamental.
Esse blog não vai entrar nos detalhes da vasta e complexa ciência do clima, mas focar nas oportunidades de negócio que a tão necessária transição para uma economia de baixo carbono traz consigo. E como existem muitos negócios rentáveis que promovem essa transição, detalharemos os fundamentos científicos, panorama regulatório e modelos de negócio. Se você não acredita no aquecimento global ou acredita que ele não é provocado pelas ações humanas, ainda assim essa transição vai impactar o seu negócio, porque governos, sociedade civil, empreendedores, grandes empresas e investidores estão trabalhando nessa transformação econômica. E estamos falando em uma transformação que mexe nos alicerces da nossa economia, transformando a nossa infraestrutura energética, o uso da terra, os meios de transporte e as construções onde vivemos e trabalhamos.
Emissões: o que são
O gás carbônico (CO2) faz parte do ciclo natural da vida no planeta Terra: quando respiramos emitimos CO2 e as plantas absorvem CO2 na fotossíntese. Contudo, para fins de contribuição às mudanças climáticas, contabilizamos as emissões provocadas pela ação humana. Estas emissões não se limitam ao CO2, já que outros gases como o metano (CH4) e o dióxido de nitrogênio (N20) também contribuem para o efeito estufa. O gráfico abaixo mostra que o CO2 (azul e amarelo no gráfico) é responsável por cerca de 75% das emissões líquidas (descontando CO2 absorvido por atividades humanas) e o metano (laranja) por cerca de 18%. Para normalizar a influência de diferentes gases no efeito estufa, considerando que alguns têm um impacto muito maior do que outros por tonelada na atmosfera, os cientistas do clima criaram o conceito de emissões de CO2 equivalente (CO2 eq).
Evolução das emissões globais por gás (1990-2019)
Fonte: IPCC - Working Group III contribution to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change
E quanto emitimos por ano? Chegamos em 2019 a 59 Gt/ano, ou 59 bilhões de toneladas de CO2 equivalente por ano. É um número tão grande que perde um pouco o significado, então vamos colocá-lo em perspectiva: o mundo produz cerca de 5 bilhões de toneladas de petróleo por ano. Então toda a produção de uma indústria gigantesca como a do petróleo representa menos de 10% da nossa produção anual de CO2.
De onde vem as emissões?
Para entender o desafio de mitigação do aquecimento global (em posts futuros falaremos de mitigação vs. adaptação) é fundamental mapear as atividades humanas que geram as emissões. O gráfico abaixo quebra as emissões globais pelo setor em que são geradas de duas formas: (i) emissões diretas: considera o setor onde as emissões efetivamente acontecem; (ii) emissões diretas e indiretas: considera o setor que consome a energia e calor que geram as emissões (essencialmente edifícios e indústria).
Evolução das emissões globais em 2019 por setor
Fonte: IPCC - Working Group III contribution to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change
Analisando o gráfico, podemos observar várias coisas interessantes:
O setor de eletricidade e calor, a arena das tecnologias de baixo carbono mais famosas e difundidas como a geração solar e eólica, representa menos de ¼ das emissões globais. Isso mostra que as renováveis por si só não vão resolver o desafio do aquecimento global. Parte da solução está em levar essas tecnologias para outros setores por meio da eletrificação ou combustíveis de fonte renovável como o hidrogênio verde. Mas outra parte importante depende de inovação tecnológica e transformações econômicas em outros setores.
A parte verdinha do gráfico mostra um dos desafios mais complexos da transição para uma economia de baixo carbono. As emissões de agricultura, florestas e outros usos da terra, AFOLU na sigla em inglês, representam quase ¼ do desafio. Nesse grupo entram emissões de atividades agrícolas e pecuárias (como os 5% da fermentação entérica, as emissões de metano do sistema digestivo dos bois) e emissões de uso da terra e mudanças de uso da terra e florestas (LULUCF), uma categoria que é composta predominantemente pelo desmatamento. Um ponto que chama atenção é a incerteza na medição dessas emissões: enquanto a faixa de incerteza das emissões provenientes de combustíveis fósseis é de +-10%, a incerteza nas emissões LULUCF é de +-70%!
Existem várias formas de agrupar as emissões para mostrar o impacto de uma determinada atividade econômica: por exemplo, se somarmos as emissões da produção de cimento e aço para a construção civil, edifícios representam 20% das emissões globais, mostrando a importância das decisões relacionadas aos nossos prédios e casas para o clima.
Uma fonte de emissões relevante e pouco comentada são as chamadas emissões fugitivas da indústria de petróleo & gás (4,4% das emissões globais). A principal causa são vazamentos de metano na cadeia de produção e transporte de petróleo e gás natural. Voltando ao ponto da incerteza, essas emissões também são difíceis de determinar com precisão, sendo o intervalo de confiança de +-30%.
Brasil vs. Mundo
Para comparar as emissões do Brasil com as do restante do mundo, utilizamos dados da Climate Watch, uma fonte diferente da dos gráficos anteriores (relatório do IPCC - Intergovernmental Panel on Climate Change de 2022). Vocês podem observar que a quebra é um pouco diferente e magnitude das emissões relacionadas à mudança do uso da terra bem menor (lembra da incerteza gigantesca sobre esses dados?). No entanto, direcionalmente conseguimos entender que o nosso perfil de emissões é bem diferente da média global:
Emissões por setor gerador
Fonte: Climate Watch (https://www.climatewatchdata.org/ghg-emissions?end_year=2021&start_year=1990) / Análise: Clima Rentável
Como vemos no gráfico, o setor de eletricidade/calor é pouco representativo nas emissões brasileiras devido à nossa matriz elétrica muito mais limpa do que a média global. Entretanto, a agropecuária (35%) e mudanças no uso da terra/florestas (26%), essencialmente o desmatamento, representam juntos 61% das nossas emissões. Por um lado, esses números mostram a força da nossa agropecuária: o Brasil tem, por exemplo, o segundo maior rebanho bovino do mundo, o que explica mais de 60% das nossas emissões provenientes da agropecuária. Por outro lado, eles também revelam a tragédia do desmatamento da Amazônia e de outros biomas, que é ao mesmo tempo o nosso maior problema e a maior oportunidade de redução de emissões. O setor florestal é inclusive um dos poucos que “joga nas duas pontas”: sendo um contribuidor para emissões no desmatamento, mas absorvendo carbono (as famosas emissões negativas) em caso de reflorestamento. A remoção de carbono por vegetação secundária e em áreas protegidas já compensa cerca de ⅔ das emissões do desmatamento no Brasil.
Conclusão
A diversidade das fontes de emissão de gases de efeito estufa mostra que o desafio de mitigação do aquecimento global envolve todos os setores da economia, indo muito além do setor energético. No Brasil em particular é no campo (agropecuária e florestas) que estão os maiores desafios e oportunidades.
Como especialistas do setor energético, vamos dar uma atenção especial nesse blog às tecnologias e modelos de negócio que estão tornando o setor elétrico mais sustentável e como a eletrificação e “combustíveis verdes” são a chave para descarbonizar a indústria, os transportes e os edifícios. Mas também traremos perspectivas e oportunidades de outros setores da economia que fazem parte dessa trama complexa e fascinante da economia de baixo carbono.