Do Acordo de Paris aos negócios do futuro
Antes de falar de oportunidades, precisamos falar de metas
Sobre o Clima Rentável
O Clima Rentável é uma plataforma de conteúdo e inteligência sobre descarbonização e investimentos sustentáveis. Somos empreendedores e investidores com carreiras dedicadas à transição energética e economia de baixo carbono. Nosso objetivo é trazer conteúdo relevante para investidores, executivos e empreendedores na linha de frente da descarbonização, fazendo uma curadoria de tendências e análises originais. Estamos atentos ao que está acontecendo no mundo e traremos uma perspectiva voltada ao Brasil.
Resumo
No nosso primeiro texto, falamos sobre as emissões de gases de efeito estufa e de onde elas vêm. Agora, é hora de olhar para o que o mundo tem feito com essa informação, ou seja, as metas de sustentabilidade e como elas estão mexendo com a economia e abrindo novas oportunidades de negócio.
Não vamos entrar aqui nos detalhes dos impactos climáticos, mas é bom lembrar: foi justamente a preocupação com esses impactos que fez o mundo se mexer. Foi daí que surgiram os estudos e os acordos internacionais que deram origem às metas de sustentabilidade que conhecemos hoje.
Pode parecer um assunto meio técnico ou político à primeira vista, mas a verdade é que entender essas metas é fundamental para quem quer se preparar para o futuro e aproveitar as oportunidades que ele traz. Por isso, antes de falar diretamente dos negócios que estão nascendo nesse novo cenário (chegaremos lá, prometo!), vamos colocar os pingos nos is.
Introdução
Nos últimos anos, termos como Net Zero, ODS, ESG e COP ganharam espaço no vocabulário de empresas, governos e investidores. Em 2015, dois marcos importantes ajudaram a consolidar esse movimento: a adoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) pela ONU e o Acordo de Paris na COP21, que estabeleceu metas globais para conter o aquecimento do planeta. A partir desses acordos, intensificaram-se as políticas para a transição energética com o objetivo de atingir emissões líquidas zero (Net Zero) até 2050, além do fortalecimento das metas corporativas baseadas em critérios ESG (ambientais, sociais e de governança).
💡A COP se chama Conferência das Partes e acontece todos os anos desde 1995, com exceção de 2020, quando a conferência foi adiada devido à pandemia da COVID-19. A COP21 foi a vigésima primeira Conferência.
O ESG ganhou grande destaque entre 2018 e 2022, período em que a preocupação global com as mudanças climáticas foi incorporada de forma intensa pela iniciativa privada. Nesse contexto, o alinhamento às metas passou a ser visto não só como um diferencial competitivo, mas também como um fator relevante na avaliação de mercado das empresas. Sem entrar no mérito das metodologias utilizadas para mensurar esse valor, entendemos que, quando se trata da descarbonização, o foco das empresas deve ir além da imagem institucional. Há, de fato, oportunidades concretas de negócio ao se olhar de forma estratégica para o “E” da sigla - o pilar ambiental. A adoção de práticas mais sustentáveis pode gerar retorno financeiro real, seja por meio do acesso facilitado a capital, da valorização perante consumidores e parceiros, ou do aproveitamento de novas oportunidades regulatórias com alto potencial de retorno sobre investimento. Mais do que reputação, trata-se de construir rentabilidade com base em inovação e eficiência ambiental, algo que, inclusive, pode e deve ser demonstrado nos relatórios anuais e indicadores de desempenho das empresas.
Metas globais e políticas nacionais
Podemos enxergar as metas de sustentabilidade como uma bússola que orienta governos em suas políticas nacionais que se desdobram em áreas específicas e depois em segmentos. Uma visão simplificada da hierarquia dessas metas segue pode ser vista no fluxograma abaixo:
Fluxograma de Desdobramento das Metas de Sustentabilidade
As principais metas globais relacionadas à sustentabilidade estão hoje fortemente ancoradas nos compromissos assumidos no Acordo de Paris (COP21), que estabeleceu objetivos climáticos ambiciosos para conter o aquecimento global. Esses compromissos serão revisitados e atualizados na próxima Conferência das Partes (COP30), que acontecerá no Brasil em novembro de 2025.
Embora definidos em processos distintos, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e o Acordo de Paris são complementares e interdependentes. O avanço nas metas climáticas contribui diretamente para o cumprimento de diversos ODS, especialmente aqueles que envolvem a transição energética. Os ODS com maior relação direta com a descarbonização são:
Blocos de ODS relacionados diretamente a descarbonização. Fonte: Unicef.org
Para entender como as metas globais influenciam as decisões nacionais e, posteriormente, os negócios, é essencial observar como essas metas se traduzem em compromissos concretos e políticas públicas. A principal meta global da COP21 foi limitar o aumento da temperatura média global a menos de 2°C acima dos níveis pré-industriais. Para isso, os países definiram suas próprias metas por meio das chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês), que detalham os compromissos individuais de redução de emissões.
O Brasil comprometeu-se a reduzir em 37% suas emissões de gases de efeito estufa até 2025 e em 43% até 2030, ambas em relação aos níveis de 2005. E ainda se comprometeu com as seguintes metas quantitativas relacionadas a descarbonização:
Reflorestar 12 milhões de hectares até 2030;
Recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas;
Eliminar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030;
Aumentar a participação de fontes renováveis (exceto hídrica) para 33% da matriz energética total até 2030;
Garantir que a bioenergia sustentável represente cerca de 18% da matriz energética total;
Aumentar a participação de energias solar, eólica e biomassa na matriz elétrica para 23% até 2030.
Esses compromissos resultaram em uma série de políticas e marcos regulatórios, como:
A Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), que estabelece diretrizes para mitigação e adaptação às mudanças climáticas;
A regulação do mercado de carbono, com iniciativas em andamento para estruturar um mercado regulado no país — a lei n° 15.042 publicada em 2024 propõe um sistema brasileiro de comércio de emissões;
Programas setoriais, como o RenovaBio no setor de biocombustíveis, que é uma política que cria metas anuais de descarbonização e fomenta a emissão de créditos por biocombustíveis (CBIOs) resultando em estímulo ao investimento em produção sustentável.
Essas políticas derivadas dos compromissos internacionais são traduzidas em regulações e incentivos governamentais que impactam diretamente as empresas. Elas passam a adotar metas corporativas alinhadas às exigências regulatórias e, muitas vezes, antecipam tendências globais como forma de diferenciação competitiva. Além disso, surgem novos modelos de negócio, como consultorias em carbono, mesas de trading desses certificados, certificações ESG e comercialização de créditos ambientais.
Metas corporativas
No setor empresarial, o desdobramento das metas ocorre através de grupos e ações específicas. Um que se destaca é o B20, grupo que reúne lideranças empresariais de todos os países do G20. Foi criado em 2010 como uma plataforma para que empresas, federações industriais e associações empresariais contribuam com recomendações concretas de políticas públicas aos líderes das maiores economias do mundo. A cada ano, o país que assume a presidência do G20 também lidera o B20, o que em 2024 e 2025 está a cargo do Brasil. Ele conta com a participação de grandes empresas globais e nacionais, como Petrobras, Natura, Itaú, Microsoft, Siemens e BlackRock, além de instituições como a CNI e FIESP. Seu principal objetivo é traduzir os grandes temas globais em propostas práticas de política econômica, regulatória e comercial, com foco em inclusão, sustentabilidade, inovação e competitividade.
O B20 tem papel essencial na tradução dos compromissos da COP em recomendações práticas de mercado no contexto da descarbonização:
Promove a visão de que ações climáticas são oportunidades econômicas.
Defende estratégias de transição energética justa, com metas claras e retorno sobre investimento.
Apoia o desenvolvimento de mercados de carbono, finanças verdes e tecnologias limpas.
Incentiva regulações e políticas que estimulem a inovação e a competitividade sustentável.
Durante muito tempo, sustentabilidade foi tratada como um tema periférico, restrito a relatórios institucionais e reforço da reputação corporativa. Hoje, ela é relevante no posicionamento para empresas se beneficiarem das políticas públicas, terem maior atratividade para talentos e conquistarem a preferência de consumidores. Exemplos não faltam:
A Unilever ampliou sua margem em mercados emergentes com linhas sustentáveis de higiene e alimentos.
A Natura integrou métricas ambientais ao seu modelo de gestão e aumentou seu valor percebido globalmente.
A Tesla não só capturou incentivos públicos, como criou uma nova lógica de mercado para mobilidade e armazenamento de energia.
Ao final, acreditamos que toda meta ambiciosa cria lacunas, e onde existem lacunas, surgem oportunidades. Metas globais de sustentabilidade e descarbonização não são apenas compromissos éticos ou climáticos, mas também pontos de partida para inovação e geração de valor.
Novos modelos de negócio
A convergência entre tecnologia, finanças e sustentabilidade está se intensificando. Hoje, bancos, fundos de investimento e até empresas tradicionais estão direcionando recursos para soluções que alinham retorno financeiro com impacto ambiental positivo. Esse movimento é impulsionado por um crescimento expressivo na disponibilidade de capital verde, fruto tanto da pressão de investidores institucionais quanto de incentivos estatais. Governos ao redor do mundo têm adotado políticas públicas e instrumentos regulatórios que orientam o mercado financeiro a canalizar recursos para iniciativas alinhadas às metas climáticas. Um exemplo é a SFDR (Sustainable Finance Disclosure Regulation) da União Europeia, que exige que fundos classifiquem e divulguem com transparência o grau de sustentabilidade de seus ativos, distinguindo aqueles que apenas consideram fatores ESG em seu artigo 8 dos que têm como objetivo principal o impacto ambiental ou social positivo no seu artigo 9.
No Brasil, esse movimento também avança. A CVM, por meio da Resolução 175/2023 e da Instrução CVM 59/2021, vem promovendo maior clareza sobre como os fundos de investimento devem divulgar suas estratégias ESG. Ao exigir maior consistência nas informações, o regulador brasileiro busca aumentar a confiança do investidor e estimular a alocação de recursos em ativos sustentáveis.
Para as empresas, esse novo contexto representa uma janela concreta de oportunidades. No Brasil, iniciativas como o FIP Amazônia e o Fundo Clima BNDES mostram como recursos públicos e privados estão sendo mobilizados para financiar soluções com impacto ambiental positivo. Outro exemplo recente é o fundo climático estruturado pela Vinci Partners, que atraiu grandes investidores internacionais em uma captação de R$ 2 bilhões para apoiar projetos voltados à transição energética, gestão de resíduos e agricultura de baixo carbono com enquadramento do fundo no artigo 9 do SFDR. Empresas como a Ambipar, que captou via debêntures sustentáveis para projetos de logística reversa, também demonstram como a estruturação financeira com foco climático pode gerar valor real, acesso a capital de longo prazo e fortalecimento da imagem institucional.
Algumas frentes que têm atraído inovação e capital e falaremos mais em detalhe em próximas postagens:
Energia limpa e armazenamento: solar, eólica, baterias e hidrogênio verde.
Gestão hídrica e eficiência energética: soluções industriais, smart grids, Internet das Coisas (IoT).
Rastreabilidade de cadeias produtivas: plataformas digitais, blockchain, APIs ESG.
Carbono e créditos ambientais: agricultura regenerativa, créditos de carbono, proteção de florestas e reflorestamento.
Economia circular e resíduos: logística reversa, compostagem, reuso de materiais.
Tecnologias para monitoramento e compliance ESG: desde IA até plataformas SaaS para gestão de indicadores.
Conclusão
Ainda enfrentamos muitos desafios, e proteger o Planeta exige metas ambiciosas. No entanto, para que essas metas sejam realmente efetivas, é preciso avançar em diversas frentes. Entre elas, destaca-se a necessidade de maior convergência regulatória e a definição de critérios ESG mais claros e padronizados. A atual falta de métricas consistentes e reconhecidas globalmente abre espaço para distorções — como políticas públicas influenciadas por interesses particulares ou sinalizações econômicas equivocadas. Além disso, é essencial fortalecer o monitoramento e a transparência no cumprimento dos objetivos estabelecidos, por meio de indicadores bem definidos e amplamente auditáveis.
O futuro não é mais sobre escolher entre rentabilidade e impacto. O que está em jogo é como alinhar propósito, estratégia e performance, e quem conseguirá liderar essa a transição para uma economia de baixa carbono.