Crusoe: de Energytech a AI Cloud
Como a startup Crusoe se transformou rapidamente para entrar na corrida do ouro da IA
Resumo
Hoje estamos publicando um artigo diferente no Clima Rentável. Vamos contar a história de uma empresa específica, a Crusoe, que começou em energia e migrou para IA. Boa leitura!
No mundo frenético da IA, o ritmo de construção e transformação de empresas é extremamente acelerado. E isso não apenas no mundo do software (de modelos e aplicações), mas também no mundo da infraestrutura física que suporta a tecnologia. Hoje vamos falar sobre a Crusoe, empresa de infraestrutura para IA, que executou um pivot radical em apenas dois anos, saindo de um mercado relativamente nichado de aproveitamento de gás de flare para competir no bilionário mercado de servidores de IA. É uma lição sobre capacidade de transformação: não para se recuperar de algo que não deu certo (como é comum em muitas startups), mas para capturar uma oportunidade grande demais para ser ignorada.
As origens da Crusoe
Chase Lochmiller (CEO) e Cully Cavness (COO) fundaram a Crusoe em 2018 em Denver, Colorado. Colegas de escola, eles trouxeram bagagens complementares para a nova empreitada: enquanto Chase tinha formação em IA e trabalhado como trader quantitativo e investidor em blockchain, Cully havia dedicado a sua carreira ao setor de energia.
O problema inicial que a Crusoe se propôs a atacar é o desperdício de energia na indústria de petróleo. Em geral, campos de petróleo contêm gás natural associado. Em regiões com infraestrutura de escoamento de gás, esse gás pode ser uma importante fonte de receita complementar para os produtores de petróleo. No entanto, em regiões mais remotas, pode não ser econômico desenvolver gasodutos ou terminais de liquefação de gás natural. Os produtores então ou reinjetam esse gás no reservatório (como ocorre em geral em campos offshore no Brasil), ou simplesmente queimam o gás de forma controlada, o flaring na terminologia da indústria. O flaring é responsável por cerca de 0,6% das emissões globais de carbono equivalente, com mais de 70% dessas emissões vindo do metano (a principal molécula do gás natural) liberado pela combustão incompleta do gás (lembrando que o metano tem um impacto 80x maior no aquecimento global do que o CO2 nos primeiros 20 anos).
A solução da Crusoe para o flaring foi desenvolver uma solução de geração de energia elétrica a partir do gás de flare e utilizar essa energia para rodar servidores de mineração de Bitcoin. Com a combustão completa do gás natural, a empresa consegue praticamente zerar as emissões de metano, além de monetizar uma energia que seria desperdiçada. Um aspecto interessante e importante da solução é a modularidade: as unidades de geração e os data centers desenvolvidos pela Crusoe podem ser transportados com facilidade, o que é importante em uma indústria dinâmica como a do fracking nos EUA, em que um mesmo site não produz petróleo por muito tempo. A Crusoe batizou esse modelo de Digital Flaring Mitigation (DFM).
A empresa captou 500 milhões de dólares de investidores especializados em tecnologia e clima para escalar esse negócio. Com o tempo a empresa começou a desenvolver soluções para mercados adjacentes, como o aproveitamento de energia renovável sem capacidade de escoamento para a rede (o chamado curtailment) com a mesma solução de data centers modulares. Em meados de 2022, a empresa adquire os primeiros GPUs da Nvidia e começa a oferecer também serviços de Computação de Alto Desempenho (High-Performance Computing) a partir de seus data centers modulares abastecidos por gás de flare em Montana. Todavia, há pouco mais de dois anos, o DFM ainda era o modelo de negócio principal da empresa, como mostra a apresentação do fundador Cully Cavness no TEDx em janeiro de 2023.
IA: o game changer
Após o lançamento do chatGPT em novembro de 2022 se inicia uma corrida de grandes proporções para treinar e lançar modelos de IA generativa cada vez mais avançados. E essa corrida se traduz em uma demanda não projetada e gigantesca por capacidade computacional. Começa assim uma corrida sem precedentes pelos chips mais avançados (especialmente os GPUs, Graphic Processing Units da Nvidia) e pelo desenvolvimento de novos data centers para hospedá-los. Rapidamente essa nova demanda começa a esbarrar nas limitações da infraestrutura física. Por exemplo, uma nova conexão na escala de MW à rede elétrica nos Estados Unidos leva entre quatro e oito anos entre estudos de interconexão e obras de reforço da rede elétrica, um prazo incompatível com a velocidade da indústria de tecnologia. Além disso, com a explosão da demanda, surgem gargalos na cadeia de suprimentos de equipamentos diversos necessários para o funcionamento de um data center, como os sistemas de resfriamento e os geradores de backup.
A vantagem competitiva no setor de data centers passa a ser a velocidade em se colocar um projeto de pé e isso explica os próximos movimentos da Crusoe. Vendo a demanda por capacidade computacional explodir, a empresa passa a alavancar a sua expertise no fornecimento de energia e construção de data centers para construir um serviço de cloud para IA oferecendo uma alternativa aos chamados Hyperscalers como a Amazon e a Microsoft. Sendo eficiente no fornecimento de energia e na construção dos data centers, a empresa passa a ser capaz de competir em custo com esses gigantes. A Crusoe também se beneficia da estratégia da Nvidia de desenvolver clientes alternativos para os seus GPUs e ser menos dependente dos Hyperscalers (no 2T de 2025, 39% da receita da Nvidia veio de apenas 2 clientes!). A Nvidia passa assim a direcionar parte dos seus GPUs para as chamadas Neoclouds como a Crusoe e a CoreWeave (do qual é investidora).
O grande pivot da Crusoe
Para competir com os gigantes de computação em nuvem, a Crusoe adotou uma estratégia de verticalização, passando a fabricar componentes críticos dos data centers. A empresa iniciou o movimento em 2022 ao adquirir uma fabricante de sistemas elétricos e data centers modulares. Com o pivot para IA, a empresa desenvolveu um projeto proprietário de data centers modulares especializados em IA, dos quais fabrica as estruturas metálicas, os quadros elétricos e os sistemas de distribuição de energia e de controle industrial. Esse controle da cadeia de suprimentos permitiu à empresa escalar rapidamente a sua operação de data centers de IA, atacando um dos principais gargalos da indústria.
Após lançar o seu serviço de cloud em 2022, a Crusoe passa por uma rápida transformação, mostrando bastante flexibilidade para adaptar a sua estratégia. Com o aumento da demanda por clouds de IA, a empresa passa a alugar espaço para os seus GPUs em data centers de terceiros. Ao mesmo tempo, investe em um grande data center próprio abastecido com energia renovável (hidrelétrica e geotérmica) na Islândia, inaugurado em abril de 2025. E finalmente, a Cruose participa como desenvolvedor e operador de um dos maiores projetos de data centers dos Estados Unidos em Abilene no Texas, com capacidade total projetada de 1,2 GW.
Neste projeto, o seu papel é bem diferente do seu posicionamento até então, já que a empresa é responsável pela construção e operação da infraestrutura dos data centers e não pela aquisição e operação dos GPUs. Em Abilene, a empresa de cloud é a Oracle, a qual tem como cliente principal a OpenAI como parte do projeto Stargate (esse posicionamento da Oracle levou a uma rápida valorização da empresa recentemente). O projeto é estruturado como um grande project finance, em que um contrato de aluguel de longo prazo com a Oracle permitiu atrair grandes investidores de equity (Blue Owl) e dívida (JP Morgan) para viabilizar um plano de investimento de cerca de 15 bilhões de dólares (apenas na infraestrutura, não incluindo os servidores). A construção da primeira fase do projeto (200 MW) se iniciou em junho de 2024 e estava prevista para entrar em operação no segundo semestre deste ano. Já a segunda fase, que vai levar a capacidade total para 1,2 GW, se iniciou em março de 2025 com expectativa de início das operações em meados de 2026.
Do ponto de vista energético, o projeto assegurou uma rara conexão de larga escala à rede do Texas (ERCOT) em uma região com grande disponibilidade de energia eólica. Além disso, o projeto conta com geração local de gás natural como backup. Baterias e geração fotovoltaica local também fazem parte do projeto assim como a sua qualificação como Controllable Load Resource, ou seja, um recurso que pode ser utilizado pelo operador para aumentar ou reduzir o seu consumo rapidamente contribuindo para a estabilização da rede elétrica.
Os movimentos da Crusoe nos últimos dois anos posicionam a empresa em diferentes segmentos da Value Chain de IA ilustrada abaixo. A empresa é uma AI Cloud em alguns casos, um desenvolvedor e operador de data centers no projeto de Abilene, um proprietário de data center no projeto da Islândia e até um fornecedor de equipamentos industriais via a Crusoe Industries. Essa flexibilidade estratégica demonstra que quando a oportunidade é muito grande pode fazer sentido para uma startup redefinir várias vezes o seu papel e apostar de forma agressiva em ser uma referência em uma nova indústria. A nova tese e a ambição da Crusoe foram validadas na captação de um Series D de 600 milhões de dólares, liderado pelo Founders Fund de Peter Thiel no final do ano passado, sendo a empresa avaliada em $ 2,8 bilhões.
Cadeia de Valor de Data Centers de AI
Fonte: https://www.generativevalue.com/p/a-primer-on-ai-data-centers
E o negócio de mineração de bitcoins e Digital Flaring Mitigation como ficaram depois do pivot? A oportunidade de focar em data centers para IA levou a Crusoe a desinvestir do seu negócio original, vendendo seus 425 data centers modulares (270 MW de capacidade) de mineração de Bitcoin e a tecnologia de Digital Flaring Mitigation para a NYDIG, um minerador de Bitcoin, em março de 2025.
O futuro do negócio
O mercado onde a Crusoe atua continuará crescendo de forma acelerada. O BCG projeta que a capacidade total de data centers no mundo (excluindo China) crescerá de 71 GW para 127 GW nos quatro anos entre 2024 e 2028 (como vimos no nosso artigo sobre data centers). Grande parte desse crescimento virá de data centers especializados em IA. Neste contexto, não faltará demanda para as soluções da Crusoe, mas provavelmente a empresa precisará tomar decisões sobre o melhor modelo de negócio para capturar a oportunidade.
Será que a empresa focará nas suas capacidades mais estabelecidas de infraestrutura para data centers ou continuará investindo para competir no multibilionário mercado de cloud para IA? A primeira parece ser o caminho mais sensato, pois é menos sujeito à competição das super capitalizadas big techs e alavanca capacidades provadas da empresa. No segundo, a empresa entra em um jogo arriscado de investir massivamente em GPUs para serviços de cloud se deparando com perguntas de difícil resposta como: por quanto tempo a demanda continuará crescendo de forma explosiva jogando para cima o valor da capacidade computacional? Qual a vida útil dos GPUs sendo lançados no momento? Haverá espaço para competir com as Hyperscalers? Mas no fim provavelmente seus investidores vão preferir esse jogo de alto risco e alto retorno, característico desse momento de rápida transformação tecnológica que estamos vivendo.




